“Não é sobre nós, é sobre uma criança”, pontua a primeira Família Acolhedora no município

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Conheça a história de Samanta e o Serviço de Família Acolhedora, alternativa aos abrigos quando crianças e adolescentes são afastados do convívio familiar
Publicado em 09/04/2024 - Editado em 15/10/2024 - 10:19
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Samanta vem acolhendo crianças ao longo dos anos com muito amor e carinho
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Vinícius R. R. Soares/PMNH

Por Vinícius R. R. Soares

Em fevereiro de 2016, uma criança encontrou no lar de Samanta (o sobrenome será preservado) o acolhimento necessário para superar um momento delicado de sua vida. Oito anos se passaram e onze crianças já puderam receber o mesmo carinho e amor de Samanta e sua família. Todas amparadas por meio do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA), modalidade de acolhimento temporário e voluntário por parte de famílias dispostas a acolher crianças afastadas judicialmente de suas famílias de origem por medida de proteção.

A trajetória de Samanta, natural de São Paulo, Capital, fez crescer em si o sentimento de compaixão pelas crianças. “Lá, eu já era voluntária em casas de acolhimento. Quando fui morar em Passo Fundo, vi uma reportagem na TV falando sobre o Acolhimento Familiar e procurei mais informações no município.”

Samanta trouxe o assunto para casa, no entanto, seu marido não quis participar em um primeiro momento, por receio de se apegar. Após várias conversas, o casal entrou em consenso de que a motivação deveria ser pelo bem maior à criança e na diferença que fariam na vida dela. “Não é sobre nós, é sobre uma criança”, pontua Samanta.

A família amadureceu a ideia e decidiu ir adiante. Depois de participarem de capacitação com a equipe técnica responsável por gerir o serviço na cidade do Planalto Médio gaúcho, estavam capacitados para acolher a primeira criança. Samanta fala sobre o benefício refletir também na família, pois gera o sentimento de união entre os integrantes, em prol das necessidades da criança. “Até minha filha, na época com 6 anos, participou da capacitação. Hoje, ela tem 15, e vejo como se desenvolveu. Enquanto meu segundo filho nasceu no meio dos acolhimentos e já demonstra preocupação em relação às crianças”, relata.

Atualmente, Samanta mora em Novo Hamburgo e foi a primeira Família Acolhedora no município. Inclusive, os dois únicos acolhimentos hamburguenses foram de Samanta. “Como tive uma boa experiência em Passo Fundo, procurei o serviço em Novo Hamburgo, que estava em fase inicial de implementação”, contou.

Samanta também participou da capacitação em Novo Hamburgo, onde trouxe seu conhecimento do que pode dar certo ou não. “A equipe sempre aceitou bem minhas experiências. Com isso, conseguimos ter trocas visando melhorar o serviço no município, buscando novas Famílias Acolhedoras”, descreveu.

Durante o acolhimento, uma equipe profissional acompanha frequentemente a Família Acolhedora e informa sobre o andamento das medidas tomadas no entorno da família de origem, se há possibilidade de retorno ou se a criança pode ser encaminhada para adoção. Assim, conforme o tempo passa, o núcleo familiar de origem terá os atendimentos e encaminhamentos necessários para receber a criança de volta. Se o acompanhamento indicar adoção, a nova família também será preparada para a chegada do filho.

Para a assistente social e coordenadora do Serviço de Família Acolhedora em Novo Hamburgo, Anelise Weber, durante o acolhimento, a família possui uma função importante para o desenvolvimento da criança e contribui com o Estado na medida em que participa dos processos que envolvem a medida protetiva e o retorno da criança à família de origem, extensa ou substituta, no caso de adoção. “Samanta, por exemplo, exerceu um papel fundamental durante o processo de adoção da primeira criança que esteve acolhida no Serviço em Novo Hamburgo.”

E se eu me apegar?

Sobre o medo de se apegar, Samanta pensa ser justamente o contrário, pois, segundo ela, é preciso ter apego para acolher, pelo fato da criança ser inserida no convívio familiar, tornando-se um filho durante o acolhimento. “Nossa rotina terá aquela criança envolvida, com avós, tios, primos e irmãos acolhedores. Ela precisa entender que está sendo amada e que faz parte daquela família. Por isso, independentemente da idade, explico que estamos felizes por recebê-la em nossa casa e que tudo ficará bem,” ressalta. “Apego é diferente de posse. Você vai se apegar e amar a criança durante o período de acolhimento, sem ser o dono dela, somente o guardião para amá-la o suficiente e deixá-la ir embora, para algo melhor do que antes, quando for a hora”, complementa Samanta.

Nosso alívio é ver a criança bem”

A cerca do primeiro desacolhimento, para Samanta, é comum esse momento ser o mais difícil. Mas, para ela, o alívio era ver a criança bem. “A nova família fez um excelente papel de manter o contato conosco, pois continuamos fazendo visitas e era reconfortante vê-la em um ambiente amoroso. Na época, ela tinha 1 ano e meio e hoje, com 9 anos, ainda mantemos contato.”

A família de Samanta continua mantendo contato com a maioria das crianças acolhidas. Há algum tempo, uma delas, na época com 8 anos e agora com 14, enviou uma mensagem de áudio agradecendo pela experiência. “Ela me agradecia por “a tia” tê-la ensinado a estudar. Também disse que nunca recebeu tanto amor e que isso a ajudou a se tornar uma pessoa melhor.”

Desenvolvimento infantil e convivência comunitária

Conforme a psicóloga do Serviço, Cláudia Androvandi, dentre os acolhimentos, a modalidade familiar, é a mais indicada na primeira infância, pois proporciona um desenvolvimento de forma integral. Esta vivência também pode tranquilizar a ida para uma família adotiva. “Este tipo de acolhimento garante um atendimento especializado e individualizo com afeto enquanto se reorganiza e avalia a situação da criança. A criança tem a chance de experimentar um modelo familiar diferente, mais saudável. Mesmo sendo uma medida provisória é importante que a criança fique em um ambiente que lhe proporcione sentimentos de amparo neste momento delicado de vida”, explica.

A convivência familiar e comunitária, em uma família acolhedora, torna-se diferente do que em acolhimento institucional. Na família acolhedora, a criança pode frequentar espaços públicos como mercados, shoppings, festas de aniversário, cinema, confraternizações da família, igrejas, entre outros. Samanta, aliás, passou por uma situação marcante quando levou uma das crianças maiores que já acolheu para comprar roupas novas. “Falei para ela escolher uma roupa que iria usar no seu aniversário. Mas ela paralisou e disse que não saberia porque nunca pôde escolher. Algo comum para muitos, meus filhos sempre puderam escolher roupas novas”, conta.

Conheça o Serviço em Novo Hamburgo.

O Acolhimento Familiar está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como previsto na Lei Municipal 3369/2022 de Novo Hamburgo. Esta modalidade de acolhimento temporário conta com o apoio voluntário de famílias dispostas a acolher crianças que foram afastadas judicialmente de suas famílias de origem por medida de proteção.

As famílias inscritas são selecionadas e acompanhadas sistematicamente pelos profissionais do SFA, psicóloga e assistente social, e recebem capacitação específica e permanente para realizar o cuidado com os acolhidos. Elas ficam aptas para receberem crianças e adolescentes em suas casas, oferecendo-lhes proteção integral e convivência familiar e comunitária. Importante salientar que não se trata de adoção.

A principal proposta é contribuir para a superação de sofrimento vivida pelas crianças, adolescentes e suas famílias de origem. O SFA é um instrumento para proteger esses menores e prepará-los para a reintegração familiar ou adoção, além de ampará-los com ferramentas para garantir o convívio social. A Família Acolhedora recebe um Termo de Guarda Especial da Vara da Infância e da Juventude e receberá um apoio financeiro (bolsa-auxílio) para despesas com alimentação, higiene pessoal, lazer, material escolar, brinquedos, entre outros.

No município, prioriza-se crianças de 0 a 6 anos de idade, em razão do cuidado com o desenvolvimento da primeira infância, mas, é possível atender também crianças e jovens até os 18 anos incompletos. Indica-se que ao menos um familiar tenha disponibilidade em tempo integral, ou meio turno, principalmente para crianças menores de 6 meses.

Atualmente, Novo Hamburgo conta com três famílias habilitadas, incluindo a de Samanta. No entanto, mesmo habilitada, busca-se entender o contexto vivido pela família e qual o perfil adequado de criança a ser acolhida. Mesmo estando habilitada e diante da necessidade de acolhimento, é feito novamente o contato com a família, visando compreender se naquele momento estão preparados para receber a criança.

No município, também ocorre a modalidade de Acolhimento Institucional, dividido em Casas Lares e Abrigos. O primeiro atende até 10 crianças e adolescentes de zero a 18 anos, que ficam sob a atenção de um cuidador residente. O segundo atende o mesmo perfil, porém, com capacidade de até 20 menores atendidos por educadores em regime de plantões. Atualmente são 104 crianças e adolescentes em Casas Lares, 54 em Abrigos e uma criança em Família Acolhedora.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dispõe, por recomendação conjunta, sobre a integração de esforços para o fortalecimento do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora. Também apoia, entre outras medidas, a transição gradativa da modalidade de Acolhimento Institucional para o Acolhimento Familiar, buscando alcançar, até 2027, a meta de acolhimento em SFA de, pelo menos, 25% do total de menores acolhidos no Brasil.

4° Encontro Informativo sobre Famílias Acolhedoras.

Estão abertas as inscrições para o 4º Encontro Informativo sobre Acolhimento Familiar, que ocorrerá no dia 17 de abril (quarta-feira), às 18h, na Casa da Cidadania, localizada na Rua David Canabarro, nº 20 – 5º andar, no Centro. O encontro é gratuito e aberto à comunidade, mas é necessário a inscrição antecipada, que deve ser feita pelo telefone (51) 9-9852-6973 ou pelo e-mail familiaacolhedora18@gmail.com.